Minha história com fotos
Imagino que minha história comece com minha mãe a cantar sua ária predileta: "Chi sarà? Chi sarà?". Nesse minuto, explode a bomba em Hiroshima. Muitas almas japonesas saem dos seus corpos esbaforidas, voam mundo afora, vêm parar até no Brasil. A mais desorientada entra pela boca aberta da minha mãe e sem nem perceber reencarna em mim. Por isso nasci em dezembro de 1945 com olhos puxados. E assustados também. Tanto que, no primeiro carnaval, minha mãe me fantasiou de ratinho e ficou perfeito. Vejam: até ela me acredita indefesa e se curva para me proteger contra um marinheiro americano com camisa de listras finas.
Em seguida embarco de vez num zepelim. Um conforto, o vôo da imaginação. Difícil é conseguir um canto e pôr a cara para fora da janela. Para minha irmã mais velha, tudo é tedioso de tão fácil. Mas por que ela não arreda um pouco para lá? Atrás do papelão pintado, estou quase caindo na realidade, escada abaixo.
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Melhor desembarcar em outro carnaval. A família está completa. O escocês faz birra, a fada posa orgulhosa do disfarce, a cigana coça a cabeça, o de listras (agora mais largas) mostra os músculos, a havaiana chupa bico no colo da rainha. Eu sou um toureiro e agarrei um touro a unha. É um touro pequenino fantasiado de joaninha. Faço bilu-bilu para ele no momento em que meu pai faz clique. Por sinal a foto é dele, do meu pai. Ele, o fotógrafo, é o fotografado. Do outro lado do papel, do outro lado do tempo, o que mais vejo é a sua amorosidade.
Cresci. Tenho um dente a menos no sorriso. Mas a cabeça está na altura do peito do meu avô paterno. O tronco magro é bom para escutar o tiquetaque do seu coração à tona. Ou é o relógio guardado no bolso? De qualquer forma, a foto é estratégica. Vejam como me apoio. Nesse ano vou de férias, sozinha com o meu avô para a fazenda. Distante dos pais e dos irmãos, o mundo fica maior. O horizonte se dilata pasto afora. Sou uma menina corajosa. Convivo nesses longes com assombrações, cobras, um jacaré. Logo farei sete anos.
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“Sete e sete são quartorze
com mais sete vinte e um.
Tenho sete namorados
mas não gosto de nenhum.”
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Depois resolvo contar histórias. Ou melhor, parece que escuto uma história bem maluca. Tento fazer uma cara simpática e atenta, mas estou com vontade de rir. Algum menino ou menina me conta a sua própria vida. Que conte mais alto, que conte por escrito neste site aqui.